terça-feira, 17 de maio de 2016


contos: sugestão de leitura para o 8º ano     

                       O SAPATEIRO POBRE

  

Havia um sapateiro, que trabalhava à porta de casa, e todo o santíssimo dia cantava; tinha muitos filhos, que andavam rotinhos pela rua, pela muita pobreza, e à noite, enquanto a mulher fazia a ceia, o homem puxava da viola e tocava os seus batuques muito contente. Defronte dele morava um ricaço, que reparou naquele viver, e teve pelo sapateiro tal compaixão, que lhe mandou dar um saco de dinheiro, porque o queria fazer feliz.
O sapateiro lá ficou admirado; pegou no dinheiro e à noite fechou-se com a mulher para o contarem. Naquela noite o sapateiro já não tocou viola; as crianças, como andavam a brincar pela casa e faziam barulho, fizeram-no errar na conta e ele teve de lhes bater, e ouviu-se uma choradeira como nunca tinham feito quando tinham mais fome. Dizia a mulher:
— E agora, o que havemos nós de fazer a tanto dinheiro?
— Enterra-se.
— Perdemos-lhe depois o tino; é melhor metê-lo na arca.
— Mas podem furtá-lo. O melhor é pô-lo a render.
— Ora isso é ser onzeneiro.

— Então levantam-se as casas, e fazem-se de sobrado, e depois arranjo a oficina toda pintadinha.
— Isso não tem nada com a obra; o melhor era comprarmos uns campinhos; eu sou filha de lavrador e puxa-me o corpo para o campo.
— Nessa não caio eu.
— Pois o que me faz conta é ter terra; tudo o mais é vento.
As coisas foram-se azedando, palavra puxa palavra, o homem zanga-se, atiça duas solhas na mulher, berreiro de uma banda, berreiro da outra, naquela noite não pregaram olho. O vizinho ricaço reparava em tudo, e não sabia explicar aquela mudança. Por fim o sapateiro disse à mulher:
— Sabes que mais, o dinheiro tirou-nos a nossa antiga alegria! O melhor era ir levá-lo outra vez ao vizinho dali defronte, e que nos deixe cá com aquela pobreza que nos fazia amigos um do outro.
A mulher abraçou aquilo com ambas as mãos e o sapateiro, com vontade de recobrar a sua alegria e a da mulher e dos filhos, foi entregar o dinheiro e voltou para a sua tripeça a cantar e a trabalhar como o costume.

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português

Nenhum comentário:

Postar um comentário